A importância da Teoria Geral do Processo e suas relações com a Teoria do Direito

Flávia Moreira Guimarães Pessoa

 

INTRODUÇÃO

O presente artigo busca analisar o âmbito de estudo da disciplina Teoria Geral do Processo, procurando estabelecer sua importância e conteúdo, em especial estabelecendo as relações entre a Teoria Geral do Processo e a Teoria do Direito.

Para tanto, divide-se em três partes.  Na primeira, analisa-se a teoria geral do processo enquanto disciplina jurídica.  Na segunda,  fixam-se as relações entre a teoria geral do processo e a teoria do direito. Na terceira, frisa-se a importância da disciplina e discute-se o conteúdo dos currículos universitários.

 

A TEORIA GERAL DO PROCESSO ENQUANTO DISCIPLINA JURÍDICA

A existência da Teoria Geral do Processo  vem sendo discutida pelos processualistas, existindo autores como Rogério Lauria Tucci que entendem que a disciplina é inadmissível justamente por não ter conteúdo geral, pois alguns de seus conceitos básicos, como o de “lide” não é relevante para o Direito Processual Penal (TUCCI, 2001,p. 49), bem como não são compatíveis os conceitos de pretensão, efeitos da revelia, processo cautelar etc, o que levaria à conclusão que a Teoria Geral do Processo como comumente apresentada seria realmente a Teoria Geral do Processo Civil.

Tal idéia, contudo, não é comungada por Castillo (1974, p. 505), que concede importante relevância à disciplina, mas entende que a Teoria Geral do Processo não deve ser uma disciplina introdutória nos cursos de Graduação.  Ao contrário, afirma que se trata de disciplina fundamental dos cursos de Doutorado, ao lado da Teoria Geral do Direito, Teoria Geral de Contratos e Obrigações, Estudos Superiores de Direito Público e Estudos Superiores de Direito Penal. Para o citado autor, a Teoria Geral do Processo não se confunde com a Filosofia ou História do Direito Processual, mas trata-se de disciplina aprofundada, embora o autor admita que  “a teoria geral do proceso como disciplina autônoma representa ainda mais uma aspiração do que uma realidade” (CASTILLO. 1974, p. 513, tradução nossa).

Ainda segundo o autor, o conteúdo da Teoria Geral do Processo deveria abranger os seguintes pontos: a) unidade ou diversidade do Direito Processual; b) a possibilidade de eliminação do processo pelo aumento dos poderes policiais ou utilização de expedientes de jurisdição voluntária; c) natureza da jurisdição voluntária; d) fixação do conceito de direito processual; e) conceitos fundamentais do direito processual: jurisdição, ação e processo; f) teoria do procedimento e do ato processual, bem como os princípios fundamentais do processo; g) orientações metodológicas e didáticas para melhor ensino e estudo do direito processual; h) fontes do direito processual; i) alguns aspectos da organização judicial; j) funções e características essenciais da prova; l) sentença e coisa julgada; m) processo de execução.

Já para Fernando de la Rua, o conteúdo da teoria geral do processo pode ser esquematizado a partir de uma visão estática, dinâmica e cinemática.  A partir da visão estática, a teoria geral do processo compreenderia “ o estudo dos elementos básicos gerais com uma informação introdutória prévia (....), ação, jurisdição, processo (...) e sujeitos processuais (RUA, 1991, p. 7, tradução nossa).  A partir da visão dinâmica, o objeto  de estudo seria o “campo da atividade processual como resultado do exercício dos poderes básicos por parte dos seus sujeitos titulares” (RUA, 1991, p. 7, tradução nossa). Por fim, sob o aspecto cinemático, seu estudo compreende “os ramos particulares do direito processual” (RUA, 1991, p. 7, tradução nossa).

Fazallari, por seu turno, entende que o Direito Processual é a linfa vital do ordenamento e, por tal motivo, a  elaboração da teoria geral do processo é essencialmente necessária (FAZALLARI, 1966, p. 1075).  Como conteúdo de tal disciplina geral, Fazallari assinala os princípios do contraditório e do devido processo legal, a legitimação processual, a lealdade e probidade dos participantes e, em especial, as diferenças específicas entre os distintos ramos do direito processual (1966, p. 1075-1076).

Para Cândido Dinamarco, a Teoria Geral do Processo é de “grande valia na revelação da linhas gerais do direito processual e da instrumentalidade do processo (DINAMARCO, 2002,  p. 58).  Com efeito, para o autor citado, a Teoria Geral do Processo  é compreendida como “uma disciplina altamente teórica, voltada à indagação dos princípios comuns às várias figuras processuais e a reconstruir, sobre bases sólidas, o edifício sistemático do direito processual com um todo harmonioso” (DINAMARCO, 2002,  p. 61).

O conteúdo da Teoria Geral do Processo , segundo Dinamarco, consiste no estudo da:a) essência dogmática do direito processual nos seus quatro institutos fundamentais ( jurisdição, ação, defesa e processo); b) direito processual com um todo e cada um dos seus ramos; c) princípios e garantias que coordenam e tutelam as posições dos sujeitos no processo. (DINAMARCO, 2002,  p. 61/62). Dessa forma , segundo Dinamarco, a Teoria Geral do Processo  assume a função de manipular conceitos e fenômenos de cada um dos ramos do direito processual, para se atingir a essência de cada instituto estudado, a partir dos parâmetros constitucionais e dos objetivos pré-estabelecidos (DINAMARCO, 2002,  p. 62)

 

RELAÇÕES ENTRE  TEORIA GERAL DO PROCESSO E  TEORIA GERAL DO DIREITO

A relação entre a Teoria Geral do Processo e a Teoria Geral do Direito se estabelece porque ambas são disciplinas que estudam os conceitos jurídico fundamentais, sendo, entretanto, a Teoria Geral do Direito mais ampla do que a Teoria Geral do Processo.

A evolução histórica do direito processual pode ser dividida em quatro etapas, bem sintetizadas por Angellina de la Rua e Cristina de OPL: a primeira se litimou à análise de normas e a anotações de direito positivo; a segunda buscou aprofundar e extrair os princípio  de cada instituição de forma individual; a terceira constitui a elaboração por Chiovenda de uma teoria geral do conhecimento; por fim, na quarta fase começa-se a elaborar-se cientificamente a Teoria Geral do Processo (RUA; OLP, 2003, p. 21).

Conforme se verifica da evolução citada, a realidade atual do direito processual é bem mais ampla do que a análise do processo como estrutura técnica.  Assim, não se trata de disciplina que visa tão somente ao estudo geral das categorias processuais. Ao contrário, tal como a Teoria Geral do Direito, também a Teoria Geral do Processo busca a: elaboração de conceitos de vigência universal, sistematizados por princípios e regras, que explicam os poderes de ação, jurisdição e exceção, interligados na idéia de processo, tendo em conta o integral âmbito do direito processual, sem reticências particularizadoras dentro da unidade fundamental da ordem jurídica (RUA; OLP, 2003, p. 23, tradução nossa).

A partir do quanto exposto, verifica-se a íntima ligação entre as duas disciplinas, ambas enciclopédicas, diferenciando-se apenas no âmbito de atuação, ou seja, a teoria geral do direito  voltando-se ao fenômeno jurídico e a teoria geral do processo a  fenômeno jurídico processual.

 

A IMPORTÂNCIA DA TEORIA GERAL DO PROCESSO

A teoria Geral do Processo é disciplina de fundamental importância para o estudo aprofundado não só das categorias processuais, como principalmente para análise de caracteres sociológicos ou filosóficos do direito processual.    Assim, muito mais do que disciplina para estudar condições da ação, pressupostos processuais ou outras categorias correlatas, a Teoria Geral do Processo é campo fértil para o desenvolvimento de estudos relacionados a temas abrangentes como   o acesso à justiça, a descoberta da verdade etc.

Por tal motivo, a disciplina tem sua utilidade manifesta nos cursos tanto de graduação quanto de pós-graduação.  A diferença, porém, é que na graduação a disciplina em geral se orienta mais para a discussão das categorias processuais, enquanto nos cursos de pós-graduação abre-se maior espaço para discussão dos temas mais abrangentes, que aliás permeiam a discussão mais atual no campo processual.

Nesse aspecto, Dinamarco, citando Tarzia, expõe que três são  as tendências observadas pelo modo de conduzir a Teoria Geral do Processo:a) ensinamentos propedêuticos; b) disciplina altamente teórica e c) generalizações voltadas ao resguardo do valor humano (DINAMARCO, 2002, p. 61).   Dinamarco, porém, assinala que a terceira tendência citada está inserida na segunda.

Considerando-se as tendências observadas, porém, pode-se afirmar que   mesmo nos cursos de graduação, o conteúdo da disciplina poderia ser melhor apresentado, podendo ampliar o âmbito de abrangência da disciplina.  Com efeito, muitas vezes os professores repetem frases feitas, em especial conceitos decorados, tais como “lide é o conflito de interesses qualificado pela pretensão resistida” e outros correlatos, que levam à constatação que a disciplina, mesmo quando lecionada por jovens professores, tem o conteúdo idêntico a aulas  que eram proferidas na década de 70, quando da promulgação do nosso código de processo civil.

Assim, para que a disciplina possa se firmar e permanecer nos currículos de graduação e pós-graduação, é necessário que  seu conteúdo seja abrangente, incluindo aspectos universais sociológicos, filosóficos e interdisciplinares, para que não prevaleça a crítica no sentido de sua inutilidade ou falta de caráter geral.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASTILHO, Niceto Alcalá-zamorra y. Estúdios de teoria general e historia del processo (1945-1972). México UNAM, 1974. t1.
DINAMARCO, Cândido Rangel.  A instrumentalidade do processo.  9. ed.São Paulo: Malheiros, 2002
FAZZALARI, Elio. “Processo. Teoria Generale”. (verbete) Novíssimo Digesto Italiano, v. 13.  Turim: UTET, 1966.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 4.ed. Coimbra: Armênio Amado, 1979.
RÚA, Angelina Ferreyra de La.  OLP, Cristina González de la Vega de.  Teoria General del processo. Córdoba: Advocatus, 2003.
RÚA, Fernando de La.  Teoria general del processo. Buenos Aires, Depalma, 1991.
TERÁN, Juan Manuel.  Filosofia del Derecho.  7.ed. México: Porua, 1977.

Elaborado em Jan.2007





Leia mais:
  O raciocínio jurídico e o embate entre os anseios fundamentais de justiça e segurança
  O Suporte Financeiro das Entidades Sindicais no Direito Estrangeiro
  Opções éticas e Discricionariedade Judicial
  Reconsideração e preclusão pro judicato no processo civil
  Utilização de Atas de Instruções Havidas em Outros Processos Como Prova Emprestada Capaz de Excluir a Prova Oral no Processo do Trabalho: Hipóteses de Cabimento
  O Cientificismo na Descoberta da Verdade Judicial e o Medo do Arbítrio
  A Utilização das Máximas de Experiência no Campo Probatório no Direito Processual do Trabalho
  A Devolutibilidade do Recurso Ordinário Trabalhista e a Orientação Jurisprudencial 340 da SDI-1: Avanço ou Retrocesso?
  Contribuições Sindical, Confederativa, Associativa e Assistencial: Natureza e Regime Jurídicos

Voltar