O raciocínio jurídico e o embate entre os anseios fundamentais de justiça e segurança

1 - Introdução

 

O presente artigo tem por objetivo analisar o embate dos anseios fundamentais de justiça e segurança no raciocínio jurídico.  Para a elaboração do estudo, tomou-se como base a análise do trabalhos filosóficos que cuidam do tema da justiça e da segurança jurídica, procurando-se situar nesta dialeticidade discussões jurídicas atuais, como as relativas  às soluções extrajudiciais de conflitos, ao direito alternativo e às súmulas vinculantes.

 

2 – Evolução da idéia de justiça

 

 Importa inicialmente estabelecer o conceito de justiça em cada tempo histórico.  Tal noção é importante já que é sob o título de “justiça” que em toda parte se justifica o direito, quer no processo de sua criação, quer no de sua aplicação.  Aliás, sob o signo da “justiça” unem-se diversos segmentos de correntes ideológicas distintas que se apresentam, pelo menos publicamente, com esse ideal.  Trata-se, em suma, de um anseio fundamental do homem que transcende o individual e atinge a sociedade.

 

  Convém assinalar, porém, que a justiça tem significado e conteúdo amplo.  Na realidade, o que está muitas vezes em jogo são interesses em tese juridicamente protegidos, porém contraditórios, que exigem uma definição objetiva do critério do justo naquele caso concreto.  

 

Por outro lado, no conceito de justiça há que se separar suas diversas modalidades, que foram sendo teoricamente construídas no decorrer da história.  Desta forma, pode-se falar em Justiça distributiva, que se relaciona à repartição dos benefícios entre os membros da sociedade; Justiça Comutativa, que governa as relações entre particulares; Justiça Geral, que disciplina o dever das partes para com o todo e constitui a outra face da Justiça Distributiva e Justiça Social, que se relaciona à correção das distorções sociais.

 

2.1 A Idéia de Justiça na Filosofia Grega

 

 

A idéia de justiça encontra-se bem retratada na mitologia e na filosofia gregas.  Com efeito, inicialmente, a análise da história Grega demonstra que até o século V a.C o Direito era intrinsecamente ligado à Religião e era considerado justo por sua própria natureza, contido em leis imutáveis e não escritas.

 

Dentre os estudos pré-socráticos sobre o tema da justiça, digno de nota é o desenvolvido por Pitágoras, bem assinalado por Bittar (2001, p. 56), que afirma que, para Pitágoras, a justiça, em uma primeira acepção, “significa respeito aos deuses e ao culto”, já em outra acepção, “a justiça é judiciária, o que significa um post factum, um corretivo com relação ao surgimento de uma situação de injustiça”.   Ainda na idéia de Pitágoras tem-se a justiça normativa, a qual, “melhor que a judiciária, é um ante factum, ou seja, um algo preventivo colocado a serviço dos politai como garantia da ordem e do bem comum”.  Tem-se, também, a justiça como sinônimo de autoridade e de obediência, estando implícita na noção de ordem a idéia de hierarquia.  Ainda, a justiça aparece como piedade no sentido mais ético do termo. Finalmente, “a justiça é humana, no que se refere ao tratamento do homem inter homines, e a justiça é animal no que se refere no tratamento dos homens para com os animais”.

 

Outro ponto a se assinalar é que os Pitagóricos definiam a justiça como uma reciprocidade, norteada pela fórmula de que deveria ser feito a B, aquilo que este fez a A, seguindo, portanto, a regra de Talião, sintetizada pela máxima “olho por olho, dente por dente”.

 

A partir do século V a.C., ganha corpo a escola sofista, que lança sementes de ceticismo[1] sobre a existência de uma justiça natural absoluta e a priori.   Ainda no mesmo século V a. C, contrapondo-se aos sofistas, Sócrates lançou as bases iniciais do sistema filosófico idealista, que mais tarde seria aprimorado por Platão, e pugnou pelo respeito às leis escritas e não escritas, tendo exemplificado com sua própria vida esse princípio.  No contexto de sua morte, Sócrates consagrou valores que foram posteriormente absorvidos por Platão e Aristóteles, precisamente no que pertine ao respeito e manutenção das normas e convenções.  A relevância do exemplo pessoal vem ressaltada por Eduardo Bittar (2001, p. 53) que indica a idéia de Sócrates de que “o foro interior e individual deveria submeter-se ao exterior e geral em benefício da coletividade”.  Assim, a submissão de Sócrates à sentença condenatória representou “não só a confirmação de seus ensinamentos, mas, também, a revitalização dos valores sócio-religiosos acordantes com os que foram a base da construção da própria cidade-estado grega”.

 

Ainda sobre a idéia de Justiça na Antiguidade Clássica, é relevante mencionar a idéia Platônica. Platão foi herdeiro direto do pensamento Pitagórico sobre a justiça, sendo, outrossim, seguidor do método[2] e ensinamentos Socráticos[3].  O autor desenvolveu sua teoria sobre a justiça inicialmente distanciando a justiça divina da humana. A primeira seria absoluta, mas inalcançável pelos homens.  A segunda, ineficaz e relativa. Contudo, a primeira não desmerece a segunda, ao contrário, aquela é o fundamento para a obediência desta. Assim, a ordem estabelecida na constituição deve ser obedecida como transcendência da justiça absoluta, sendo então as leis justificadas metafisicamente, devendo-lhes o cidadão obediência absoluta, mesmo que fossem iníquas.

 

Importante, ainda, destacar o pensamento de Aristóteles. No livro V da Ética a Nicômaco, Aristóteles examina exaustivamente os conceitos de justiça.  O autor parte do senso comum que se exprime através da linguagem.  Assim, para entender a justiça, há de se percorrer todos seus significados, sendo necessário destilar e verificar cada um deles, mostrando as nuances de sentido.

 

De início, uma das distinções conceituais mais relevantes na perspectiva de Aristóteles é a justiça universal e a particular. A primeira, também chamada de total ou integral, é o gênero do qual a segunda é a espécie. A justiça universal relaciona-se à legalidade. Enquanto a justiça universal fixa seu conteúdo na legalidade, a justiça particular tem seu parâmetro na igualdade. Assim, a justiça particular é menos abrangente do que a primeira, pois “tudo que é desigual é ilegal, mas nem tudo que é ilegal é desigual” (1130 b, 13/15).

 

Mencionada a distinção entre o gênero - justiça universal - e a espécie - justiça particular -Aristóteles continua a sistematização indicando as subespécies da justiça particular: a justiça distributiva e a corretiva. Ambas diferenciam-se na medida em que a primeira “se manifesta nas distribuições das honras, de dinheiro ou das outras coisas que são divididas entre aqueles que têm parte na constituição” (1130 b, 30), enquanto a segunda “desempenha papel corretivo nas transações entre indivíduos”( 1130 b, 35).

 

Conforme se extrai do texto supramencionado, a justiça distributiva tem lugar numa relação público-privado em que há relação de subordinação entre governantes e governados. A justiça distributiva, para Aristóteles, deve ser ao mesmo tempo “intermediária, igual e relativa”.  Intermediária porque deve encontrar-se entre certas coisas.  Igual porque envolve duas coisas.  E, finalmente, relativa, ou seja, para certos destinatários.

 

A justiça distributiva é aquela que se estabelece nas relações de subordinação público-privado, em que a divisão de ônus e benesses deve ser feita de acordo com a proporcionalidade ensejada pelo critério de mérito escolhido pela constituição de dada comunidade. Prosseguindo no texto, Aristóteles passa à definição da justiça corretiva.  Diferentemente da justiça distributiva, que se estabelece em relações de subordinação, a justiça corretiva é estabelecida entre indivíduos que se encontram em condições de coordenação, ou seja, tem lugar entre iguais.

 

 

2.2 – A Idéia de Justiça na Idade Média: O Pensamento de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino

 

Uma análise da evolução da idéia de justiça não poderia deixar de cuidar, na Idade Média, do pensamento de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, maiores expoentes filosóficos do período.

 

Como maior representante da filosofia patrística, Santo Agostinho foi autor de diversos escritos relevantes sob o ponto de vista filosófico.   Em relação à idéia de justiça, cumpre assinalar que a concepção sobre a justiça de Santo Agostinho está ligada ao pecado original. Com efeito, por meio do conceito de pecado das origens, Santo Agostinho explicita uma condição humana real, sujeita aos vícios e às vicissitudes temporais. O retorno à condição primeira de felicidade vivida pelo homem, segundo ele, só é possível por intermédio da justiça.  Em seu estado inicial, o homem partilhava diretamente da justiça absoluta, isto é, divina e imutável.  Após o pecado original, a justiça humana passou a ser relativa, temporal e mutável.

 

Para Santo Agostinho, todos os homens são iguais porque todos são filhos de Deus - eis a justiça divina. Mas eles serão tratados desigualmente, de acordo com seu mérito, que consiste na observância da lei divina, da lei natural e, depois, da lei dos homens. 

 

O supremo ato de justiça do homem será a submissão à lei de Deus. A igualdade absoluta e, portanto, a justiça perfeita, só existe na Cidade de Deus. A Cidade dos Homens, tem que se submeter à Cidade de Deus. Para o autor deve ser observada a hierarquia da ordem natural criada por Deus: o corpo deve submeter-se à alma, a alma a Deus e as paixões à razão.

 

Tomás de Aquino, por seu turno, é outro grande nome da filosofia cristã na idade média, sendo o maior expoente da escolástica.  Entre suas obras mais relevantes, destacam-se a Suma Teológica e a Suma contra os Gentios.  Em relação à justiça, destaque-se que Tomás de Aquino também considera que o homem deve se aperfeiçoar para se aproximar cada vez mais de Deus, seu fim último.  O autor distingue a alteridade e a igualdade, como os dois elementos da justiça: o homem deve realizar sua procura por Deus, com os outros, que, igualmente, almejam a perfeição.

 

Assinale-se que o autor define a virtude como uma disposição ou inclinação para agir conforme a razão, o que leva à conclusão que a justiça é a perfeição do ato humano.  A virtude, por seu turno, divide-se em intelectual e moral.

 

Tomás de Aquino, com inspiração aristotélica, divide a justiça em três formas distintas: a) a justiça geral, que regula os atos dos indivíduos para com a sociedade, a fim de lograr o bem comum; b) a justiça distributiva, que regula os direitos dos membros da sociedade em face da autoridade; c) a justiça comutativa, que se ocupa de regular as relações dos particulares entre si (MONREAL, 1988, p. 60).

 

 

2.3 - A Justiça na Idade Moderna: Hobbes, Rousseau e Kant                          

 

 

A  análise do conceito de Justiça na Idade Moderna partirá dos textos de “O Leviatã” de Thomas Hobbes, o “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens”, de Jean Jacques Rousseau, “Metafísica dos Costumes” e “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”, ambos de Immanuel Kant.  Os textos foram extraídos da antologia especialmente preparada por Sebastiano Maffettone e Salvatore Veca (2005).

 

Para Hobbes, a noção de Justiça é desprovida de sentido, caso não seja considerada à luz da soberania.   Prevalece, assim, o Estado, em relação ao Direito Natural.  Segundo o autor, na sua obra O Leviatã, os nomes justo e injusto quando atribuídos aos homens significam uma coisa e quando atribuídos às ações significam outra. Indica Hobbes que quando atribuídos aos homens, significam a conformidade ou não com os costumes e quando atribuídos às ações, significam a conformidade ou não com a razão de ações individuais (MAFFETTONE,VECA, 2005, p. 116).  Prossegue Hobbes aduzindo que o nome que cabe aos homens na primeira acepção seria honesto e desonesto, enquanto o nome que cabe pela justiça de suas ações é de inocente e o cabível pela injustiça de suas ações é o de culpado.

 

Em outras palavras, aponta Hobbes que a injustiça dos costumes é a predisposição ou o dom para fazer o mal aos outros, ou seja, é injustiça antes de gerar ação e não pressupõe nenhum indivíduo específico como objeto do mal.  Em contrapartida, a injustiça da ação pressupõe um indivíduo específico como objeto do mal. Aponta ainda Hobbes que a justiça das ações é dividida pelos escritores entre comutativa e distributiva, mas afirma que essa distinção não é correta e justifica essa afirmação aduzindo que, na verdade, a justiça comutativa é a justiça dos contratantes e a justiça distributiva é a justiça do árbitro.

 

Já segundo Rousseau, as questões de justiça não podem ser tratadas com vistas apenas à busca da estabilidade das instituições, mas pressupõem a prioridade de um critério normativo independente, que permitem analisar a justiça de uma ordem social dada em cotejo com a justiça ideal.

 

O autor analisa o progresso da desigualdade na humanidade, individuando três etapas.  A primeira caracterizar-se-ia pela fundação da lei e do direito de propriedade; a segunda, na instituição da magistratura e a última na transformação do poder legítimo em poder arbitrário.  Segundo Rousseau, a condição de rico e pobre teria sido autorizada pela primeira época, a de poderoso e fraco pela segunda e de senhor e escravo pela terceira.

 

Sustenta Rousseau, assim, que a desigualdade, sendo quase nula no estado natural, tira a própria força e o próprio incremento do desenvolvimento das nossas faculdades e do progresso do espírito humano, tornando-se por fim, estável e legítima para a instituição da propriedade e das leis.

 

  Desta forma, conclui o autor que a desigualdade moral, autorizada apenas pelo direito positivo, é contrária ao direito natural sempre que não se mostrar em proporção com a desigualdade física.  Aponta o autor que a distinção determina com suficiência o que se deve pensar a respeito da espécie de desigualdade que reina entre todos os povos civilizados, que seria contra a lei natural, precisamente o fato de que “um menino comande um velho, que um imbecil guie um sábio e que um pequeno grupo de homens tenha coisas supérfluas em abundância, enquanto a multidão faminta não dispõe do necessário ((MAFFETTONE; VECA, 2005, p. 210).

 

Kant, por seu turno, formula, na obra “A metafísica dos costumes”, uma introdução à doutrina do direito[4].  Nesse sentido, o autor pergunta o que é direito, definindo-o como o conjunto de condições, por meio das quais o arbítrio de um pode harmonizar-se com o arbítrio de outro, segundo uma lei universal de liberdade.

 

A concepção de justo, na teoria de Kant, vincula-se à liberdade. Tem-se por justa a ação, quando a mesma não ofende a liberdade do outro, segundo as leis universais. Considera injusta a ação que viola a liberdade de uma pessoa. Kant assinala que a moral exige, de cada um, que adote suas ações em conformidade com o Direito. Significa que a pessoa é a legisladora de sua liberdade segundo a existência de uma lei universal do direito. Kant aponta, assim, o princípio e a lei universais do direito.  O princípio universal é que qualquer ação é conforme o direito quando, por meio dela ou segundo sua máxima, a liberdade do arbítrio de cada um puder coexistir com a liberdade de todos os outros, segundo uma lei universal.  A lei universal do direito, por seu turno, seria a seguinte: “age externamente, de modo que o livre uso do teu arbítrio possa coexistir com a liberdade de cada um segundo uma lei universal”.

 

Em relação à eqüidade, reconhece Kant (1993, p. 51) que o direito estrito é uma injustiça.  Contudo, afirma que essa injustiça não pode ser corrigida por meio do direito, por mais que se refira a uma questão de direito, “porque a reclamação que se funda na eqüidade somente tem força no tribunal da consciência, ao passo que a questão de direito é discutida no tribunal civil”.

 

Já na fundamentação da metafísica dos costumes, Kant indica que a moralidade é a condição exclusiva para que um ser racional possa constituir um fim em si.  Dessa forma, segundo Kant, somente a moralidade e a humanidade enquanto capaz de moralidade, podem ter dignidade.  Porém, afirma Kant que nada mais tem valor além daquilo que a lei estabelece, mas a legislação da qual deriva todo o valor deve, justamente por essa razão, ter uma dignidade, ou seja, uma validade incondicionada e incomparável, em relação à qual somente o respeito constitui a expressão adequada da estima de um ser racional deve tributar-lhe. 

 

 

2.4 A Idéia de Justiça em Autores Contemporâneos

 

 

Dentre as inúmeras vertentes filosóficas que analisam a noção de justiça na Idade Contemporânea, o presente trabalho volta-se ao estudo da obra de Rawls, a idéia de justiça em Nozick e os estudos de Derrida sobre a justiça e o ato de julgar.

 

Afirma John Rawls que a justiça é a primeira virtude das instituições sociais, assim, como a verdade é a primeira virtude dos sistemas de pensamento. Demonstra que essas proposições parecem exprimir nossas convicções intuitivas sobre o primado da justiça.  A partir destas definições, Rawls indica que pretende verificar se as mesmas são válidas e, em caso positivo, de que modo pode-se tentar uma reconstrução racional a partir elas.  Para esse objetivo, afirma, é necessária a construção de uma teoria sobre a justiça, que passa a desenvolver em sua obra “Uma Teoria da Justiça” .

 

Assim, o autor não cuida de justiça pessoal, mas de justiça política, social e institucional. O objeto da teoria de justiça de Rawls compreende a estrutura básica da sociedade, isto é, o conjunto das instituições encarregadas da distribuição de direitos e deveres fundamentais e da divisão dos benefícios oriundos do esforço coletivo. O autor propõe-se a responder à pergunta: o que é uma sociedade justa? Para tanto, adota o postulado de que, assim como toda teoria deve ter como objetivo a busca da verdade, toda sociedade deve ter como fim a realização da justiça. A justiça é a virtude cardeal de toda e qualquer instituição política, social ou econômica.

 

Rawls distingue o conceito de justiça, no sentido de um equilíbrio apropriado entre exigências em contraste e as concepções sobre a justiça, como conjunto de princípios correlatos que identificam as condições relevantes para determinar esse equilíbrio.

 

Na busca de uma sociedade justa, Rawls concebe um procedimento ideal formado por duas etapas. Na primeira etapa, ocorre a “posição original”, estratégia neocontratualista que, associada ao “véu de ignorância” em que se encontram os indivíduos, leva à escolha de dois princípios fundamentais: o da liberdade e o da distribuição, este último subdividido nos princípios da diferença (toda e qualquer desigualdade somente se justifica se beneficiar os menos afortunados) e da igualdade de oportunidades. Na segunda etapa, os indivíduos, embora desconheçam ainda a sua posição econômica ou social, estão cientes dos princípios de justiça e do modelo econômico-cultural da sociedade que pretendem organizar através de normas constitucionais.

 

A posição original é uma ficção teórica que permite operar com a idéia de justiça como eqüidade, na medida em que os indivíduos hipotéticos que deliberarão sobre os princípios de justiça encontram-se em pé de igualdade, igualdade que seria inimaginável se considerássemos os indivíduos enquanto inseridos em posições reais. Além disso, o véu de ignorância funciona como um expediente epistemológico que garante a imparcialidade do procedimento (RAWLS, 1981, p. 119).

 

Quanto ao conteúdo da concepção de justiça acordada na posição original, Rawls (1981, p. 67) esclarece que se trata de dois princípios fundamentais: a) igual liberdade para todos (máxima liberdade); b) as desigualdades econômicas e sociais somente serão toleradas (princípio da distribuição) se beneficiarem os menos favorecidos (princípio da diferença) ou estiverem vinculadas a cargos e posições de acesso universal (princípio das oportunidades eqüitativas). Os dois princípios mencionados parecem ser uma base eqüitativa sobre a qual os mais bem dotados ou mais afortunados em sua posição social, sem que se possa dizer de ninguém que o merecia, podem esperar cooperação voluntária dos outros, no caso de algum esquema praticável ser condição necessária para o bem-estar de todos.

 

Frente à igualdade e à liberdade, produzem-se as desigualdades sociais e econômicas entre os homens. O autor percebe que uma concepção de justiça não pode anular nem os dons naturais, nem as contingências ou desigualdades sociais que vão incidir nas estruturas política, econômica e, em geral, em todas as dimensões da vida. Para Rawls, a justiça, como imparcialidade, apóia-se na teoria contratualista e na teoria da eleição racional. O autor elabora uma teoria ideal de Justiça, ele denomina de Justiça como Imparcialidade.

 

Indiscutivelmente, seja pela sua oposição ao utilitarismo, seja pelo seu conteúdo ético, seja pela retomada do contratualismo, a teoria da justiça de Rawls ocupa um lugar central nos debates sobre a necessidade e a definição de critérios de justiça para avaliação moral das instituições políticas, sociais e econômicas. Neste aspecto, importa ressaltar que a partir dos anos 80, começa a ganhar força uma crítica comunitarista à justiça como eqüidade. Os comunitaristas negam a prioridade do direito sobre o bem, na medida em que só se pode falar de direitos individuais a partir da inserção do indivíduo em uma determinada sociedade. Além disso, os comunitaristas divergem da corrente liberal quanto à finalidade das políticas públicas. Ao contrário dos liberais, que atribuem às políticas públicas a tarefa de proteger os direitos individuais e liberdade, os comunitaristas admitem uma forma de bem comunitário e social.

 

Divergindo do utilitarismo, o libertarismo de Nozick não se volta para a felicidade ou a satisfação de desejos como base informacional da concepção de bem ou do justo, mas para as liberdades formais e direitos, que gozariam de primazia sobre as políticas públicas, mesmo aquelas destinadas a eliminar estados de miséria.

 

Nozick parte da distinção entre o Estado mínimo e o Estado ultramínimo, assim denominado porque, embora controle a força, somente “proporciona serviços de proteção e cumprimento de leis apenas àqueles que adquirem suas apólices de proteção e respeito às leis” (NOZICK, 1994, p.42.) Quanto ao Estado mínimo, o que o caracteriza é o fato de dispor de um plano financiado por impostos, visando a facilitar a compra pelos necessitados das apólices de proteção ao Estado. O problema com o Estado ultramínimo é que lhe falta justiça, na medida em que ele só protege os seus sócios pagantes. A justiça realizada pelo Estado mínimo, cuja agência distribui sua proteção aos não-associados não é distributiva, mas comutativa. Trata-se de compensar os não-protegidos do Estado ultramínimo pelas restrições normativas que lhes são impostas pelo Estado.

 

Nozick adota o postulado de que “o fato de você ser forçado a contribuir para o bem-estar de outrem lhe viola os direitos, ao passo que ninguém mais estar fornecendo-lhes coisas de que você necessita, incluindo coisas essenciais à proteção de seus direito, não os viola em si” (NOZICK, 1994, p. 45) Duas são as conseqüências desse postulado: 1ª) o Estado não pode usar o seu aparelho repressivo para obrigar os indivíduos a ajudarem os outros; 2ª) nem proibir os indivíduos de exercerem as atividades que decidirem realizar no interesse de seu bem ou proteção.

 

Outro autor a ser destacado é Jacques Derrida. Filósofo  francês da atualidade, foi o criador do método chamado desconstrução, que consiste num duplo movimento que se esquematizaria: 1) no sentido de uma responsabilidade sem limite ante a memória e, assim, recordar a história, a origem e o sentido e portanto os limites dos conceitos de justiça, lei e direito, dos valores, normas prescrições que impuseram e sedimentaram (DERRIDA, 2006, p. 145); 2) na necessidade de desconstrução  de uma rede de conceitos conexos, como propriedade, intencionalidade, vontade, consciência de si mesmo etc (DERRIDA, 2006, p. 146).

 

Os estudos sobre a justiça desenvolvidos pelo autor se estabelecem pelo método da desconstrução, elaborando trabalhos sobre a lei e a faculdade de julgar. Derrida (2006, p. 149) aponta que para ser justa, a decisão de um juiz não deve somente seguir uma regra de direito ou uma lei geral, senão que deve assumi-la, aprová-la, confirmar seu valor por um ato de interpretação reinstaurador  como se a lei não existisse com anterioridade, como se o juiz a inventasse para cada caso.  Refere o autor que cada decisão é diferente e requer uma interpretação absolutamente única que nenhuma   regra existente e codificada poderia nem deveria garantir absolutamente.  Porém, destaca que tampouco se dirá isto se aquela decisão não se refere a nenhuma regra.  Deste paradoxo, extrai o autor a conseqüência que “em nenhum momento se pode dizer presentemente que uma decisão é justa ou que alguém é justo” (2006, p. 149).  Para  o autor, em lugar de justo, “se pode dizer legal ou legítimo, de conformidade com um direito, com regras e com convenções que autorizam um cálculo mas cuja origem fundante não faz mais que  distanciar o problema da justiça”.

 

Outro ponto de destaque no pensamento de Derrida é que “nenhuma justiça se exerce, como direito, sem um decisão que decida” (DERRIDA, 2006, p. 150).  Além de ter que decidir, ou seja, não poder manter uma situação de indecisão, o Juiz deverá atentar para a necessária urgência de sua decisão.  Com efeito, assevera o autor que “uma decisão justa se requer sempre que o seja imediatamente” (DERRIDA, 2006, p. 152).

 

O autor defende que a justiça como experiência de uma alteridade absoluta é irrepresentável, mas é a oportunidade do acontecimento e a condição da história.  Porém, adverte que “caso se  abandone a ela mesma, a idéia incalculável de justiça está sempre mais perto do mal, do pior, já que sempre pode ser reapropriada pelo cálculo mais perverso” (2006, p. 154).  Assim, o autor defende a necessidade de calcular a justiça, negociar a relação entre o calculável e o incalculável, indo tão longe quanto seja possível (DERRIDA, 2006, p. 154).

 

 

2.5 - A amplitude da Idéia de Justiça: As Sistematizações de Alf Ross e Perelman

 

 

Em obra específica sobre Direito e Justiça, Alf Ross apresenta uma análise da idéia de justiça, na qual aponta que o postulado de justiça, no decorrer dos tempos, equivale a uma exigência de igualdade.  Porém, essa igualdade não é tomada em termos absolutos.  Ao contrário, a fórmula da igualdade possui dois elementos: a exigência formal de igualdade e o critério material para a determinação da classe a que se aplica a norma de igualdade. 

 

A exigência formal de igualdade, por sua vez, não exclui uma diferenciação entre pessoas que se acham em circunstâncias distintas.  Assim, aponta o autor que as diversas formulações de justiça, para grupos ou contextos diversos incluem, além da idéia de igualdade, um padrão de avaliação, que são exemplificados por Alf Ross (2003, p. 315) da seguinte forma: 1)a cada um segundo seu mérito; 2) a cada um segundo sua contribuição; 3) a cada um segundo suas necessidades; 4) a cada qual segundo sua capacidade; 5) a cada um segundo sua posição e condição.

 

Ressalta Alf Ross que pela primeira fórmula apontada, o critério é dado pelos méritos morais ou o valor moral de uma pessoa e a idéia de justiça exige uma relação proporcionada entre mérito e destino – neste mundo ou em outro.  Pela segunda fórmula, sustentada pelo socialismo marxista, o fator de avaliação é a contribuição que cada pessoa faz à economia social.  Pela terceira e quarta fórmulas, aplicadas conjuntamente pela teoria comunista, cada qual deverá contribuir de acordo com sua capacidade e receber de acordo com suas necessidades. Finalmente, pela quinta fórmula, tem-se um princípio aristocrático de justiça que tem sido utilizado para justificar distinções de classe social.

 

Também indicando a amplitude da idéia de justiça, Perelman (2000, p. 9), por seu turno, aponta que é ilusório querer enumerar todos os sentidos possíveis da noção de justiça, sustentando, porém que as concepções mais correntes de justiça seriam: a) a cada qual a mesma coisa; b) a cada qual segundo os seus méritos; c) a cada qual segundo suas obras; d) a cada qual segundo suas necessidades; e) a cada qual segundo sua posição; f) a cada qual segundo o que a lei lhe atribui.

 

Dentro desta sistematização, a primeira concepção não estabelece nenhuma distinção entre os seres, enquanto a segunda exige um tratamento proporcional a uma qualidade intrínseca, segundo um critério moral.  Na terceira concepção, o tratamento é proporcional ao resultado da ação.  Na quarta, levam-se em conta as necessidades vitais do indivíduo.  A quinta acepção é aristocrática. Finalmente, para a sexta posição, ser justo é aplicar as leis do país.  Essa última concepção, conforme ressalta Perelman (2000, p. 12) não se arvora em juiz do direito positivo, mas se contenta em aplicá-lo.

 

 

2.6 – Afinal, o que é justiça? 

 

 Após o desenvolvimento da idéia de justiça,  pode-se dizer que não se pode chegar a um critério absolutamente válido de justiça.  Porém, remanesce a questão sobre qual critério de justiça seguir.

 

Segundo Perelman (2000, p. 33), cada vez que falamos de justiça devemo-nos fazer a pergunta sobre qual tipo de justiça estamos a tratar, se da justiça formal[5] ou das inumeráveis concepções de justiça concreta.

 

Pode-se  afirmar que a idéia de justiça não é uníssona na Filosofia.  Ao contrário, ao estudar-se o pensamento filosófico sobre o tema, constata-se a multiplicidade de definições e valores idealizados ou protegidos. Assim, caberá ao legislador ou aplicador do direito optar claramente por qual critério de justiça seguir, desnudando sua posição ideológica e, a partir daí, tomando posição.  Firmada a posição, porém, surge outra questão, justamente o problema da necessidade de segurança jurídica, essencial para as relações sociais.  Na realidade, o embate entre os valores segurança jurídica e justiça é sempre constante, com prevalência de um ou do outro a depender do período histórico e âmbito de observação.

 

3 - A Segurança Jurídica e o confronto com a idéia de Justiça

 

 

Da mesma forma que a justiça é um anseio fundamental do homem que transcende o individual e alcança o social, também a segurança jurídica é uma necessidade essencial do ser humano.

 

Neste aspecto, Recaséns Siches (1968, p. 703) assinala que, muito embora o Direito Positivo se inspire em valores de conteúdo como a justiça, e se considere justificado na medida em que realiza essas exigências de valores, não obstante, o Direito “nasce originariamente na vida humana para satisfazer uma necessidade de certeza e de segurança em determinadas relações sociais, consideradas da maior importância”.

 

É a segurança jurídica que traz estabilidade às relações sociais juridicamente tuteláveis, em face da certeza a ela inerente. A segurança jurídica inibe o arbítrio e a violência e dá amparo às relações entre as pessoas e o Estado e  entre as pessoas entre si.

 

De acordo com a concepção tradicional, a ordem é essencial tanto à vida individual quanto à vida coletiva.   Segundo Theophilo Cavalcanti Filho (1964, p. 8), essa necessidade de ordem, que traz consigo a segurança, é de tal modo profunda que tem todas as características de um fato espontâneo e natural.

 

Assinala o autor que o objetivo primeiro do direito é a exigência de ordem e de segurança.  Aponta que da mesma maneira que o homem cria segurança, no que diz respeito ao ambiente natural, através do conhecimento científico e da técnica, estabelece, através das normas “uma certeza e segurança na sua vida de relações, de modo a permitir a vida em sociedade”.  (CAVALCANTI FILHO, 1964, P. 54).

 

A perspectiva contemporânea da segurança Jurídica aponta, por seu turno, sua dúplice natureza.  Consoante lição de Almiro do Couto e Silva (2005, p.3), a segurança jurídica se ramifica em duas partes.  A primeira, de natureza objetiva, é aquela que tradicionalmente envolve a questão dos limites à retroatividade dos atos do Estado, até mesmo quando estes se qualifiquem como atos legislativos, ou seja, se refere à proteção do direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada.  Já a perspectiva subjetiva da segurança jurídica volta-se à idéia da proteção à confiança[6].

 

Couto e Silva (2005, p. 6) ressalta, ainda, que os princípios da segurança e da proteção à confiança são elementos conservadores inseridos na ordem jurídica, destinados à manutenção do status quo e a evitar que as pessoas sejam surpreendidas por modificações do direito positivo ou na conduta do Estado, o que acaba provocando tensão com as tendências modernizadoras do Estado.

 

3.1 - O Embate entre os Valores Justiça e Segurança Jurídica nas discussões atuais

 

 

Com o objetivo de apontar o embate entre os valores justiça e segurança jurídica nas discussões atuais, o presente item indica exemplificadamente os debates relativos ao direito alternativo, à legitimidade da alteração da jurisprudência consolidada dos tribunais, à crise do poder judiciário, ao acesso à justiça e às soluções extrajudiciais de conflitos.

 

O Movimento do Direito Alternativo gerou inúmeras discussões no país em torno dos valores justiça e segurança Jurídica. Conforme assinala João Maurício Adeodato (2006, p. 22), a própria expressão direito alternativo gera acirrada controvérsia, mas em todos os casos o valor “justiça” vem destacado pelos seus seguidores. 

 

Os estudos sobre a adoção da súmula vinculante, de igual forma,  não podem passar ao largo das discussões acerca da segurança jurídica, uma vez que o fundamento maior de tais súmulas é justamente a insegurança jurídica gerada pela multiplicidade de decisões judiciais sobre o mesmo tema.  Ao mesmo tempo, como a mudança de interpretação da jurisprudência consolidada dos Tribunais está geralmente associada ao valor justiça, na realidade as discussões sobre o tema gravitam em torno da constante dualidade entre segurança e justiça.

 

Pode-se, também,  situar a questão relativa ao embate entre os valores justiça e segurança Jurídica no atual debate que se desenvolve no país acerca da crise do judiciário e dos meios extrajudiciais de solução de conflitos.

 

Conforme foi visto nos tópicos anteriores, os valores justiça e segurança jurídica encontram-se em constante tensão e enquadram-se como essenciais ao ser humano.  Com efeito, ambos constituem anseios fundamentais do homem, arraigados em seu íntimo desde as suas origens.  Essa dualidade sempre presente na existência humana projeta-se para a sociedade, transformando-se em valores buscados pelas ideologias jurídicas de uma forma geral.

 

Neste aspecto, convém ressaltar que os dois valores citados, ao lado da utilidade, são referenciados por Radbruch (2004, p. 110) como os três elementos constantes e essenciais da idéia do direito, destacando o autor a contradição entre a justiça e a segurança jurídica.

 

Nesta mesma linha, ressalta Batista Machado (1987, p.54) que a exigência de justiça e segurança acham-se numa relação de “tensão dialética”, havendo casos em que as necessidades práticas do direito podem exigir que o valor segurança tenha um maior peso que a justiça, muito embora também, por outro lado, a depender da hipótese, essa mesma segurança deverá ceder diante do valor justiça.

 

Como, então, dentro de tal embate, construir uma pauta valorativa capaz de solucionar as questões cotidianas?  Eis o desafio do mundo contemporâneo[7].

 

Sobre tal tema Radbruch (2004, p. 114) refere que historicamente podem ser destacados prevalências de um ou outro valor.  Assim, segundo aponta o autor, no período do direito natural há a prevalência do valor justiça.  No extremo oposto, no período positivista, a unilateralidade do direito positivo era a marca presente e unilateral da segurança jurídica[8].   Contudo, conforme ressalta Radbruch, a unilateralidade dessas épocas jurídicas, desligadas uma das outras, estariam então em condições de tornar visível a multilateralidade atual da idéia de direito.

 

A relação entre os dois valores é assim, necessariamente, dialética e constante, estando, outrossim, na maioria das vezes, em tensão.   Ademais, a tensão inerente ao embate dos valores é ainda sobremaneira agravada porque, conforme visto no capítulo segundo desta monografia, existem diversos critérios de justiça, filosoficamente identificáveis, o que resulta na dificuldade de verificação unívoca da justiça do caso concreto.

 

Mas a amplitude dos critérios de justiça não pode servir de base para afastamento do valor. Ao contrário, se todos na sociedade têm a pretensão, pelo menos publicamente, de ser justos e entendem como justas suas pretensões, então há a necessidade de definição de qual seria a justiça concreta em cada situação, e, para tanto, importante seria a fixação de uma pauta de definição dos critérios de justiça para o caso concreto.

 

Se existe a multiplicidade de critérios, então deverá o aplicador do direito externar a sua idéia de justiça, fazendo uma expressa opção ideológica dentre os diversos critérios filosoficamente defensáveis.  Seria uma espécie de desnudamento do Direito, que deixando de lado conceitos genéricos e sem conteúdo de “justiça”, optasse por um critério concreto a ser considerado.

 

Nesse aspecto, a corrente do Direito Alternativo já fez sua opção.  Entre a segurança e a justiça, opta pela justiça.  Entre os diversos critérios de justiça, opta pela justiça dos mais pobres, ou, em termos mais precisos, opta pelo critério a cada qual segundo suas necessidades.

 

Porém, não é necessário optar entre justiça e segurança.  Se a opção do critério de justiça é necessária para desnudamento da ideologia, a opção entre justiça e segurança é mais bem definida em termos de predominância e coexistência, pois, conforme já exposto, existe uma constante tensão entre os dois valores, que podem e devem coexistir, apenas preponderando um ou outro, a depender do caso concreto a ser analisado.

 

4- Conclusão

 

O presente artigo cuidou do embate dos anseios fundamentais de justiça e segurança no raciocínio jurídico. A análise empreendida demonstrou a constante tensão entre esses valores no decorrer da evolução do raciocínio jurídico, ao tempo em que procurou fixar a dicotomia dentro das discussões jurídicas mais atuais.

 

Como se verificou  a amplitude do conteúdo da justiça, cabe ao aplicador do direito estabelecer sua própria pauta valorativa, o que somente pode ser feito através de uma clara opção ideológica. Assim, definido o critério de justiça que se adota, pode-se passar à questão posterior, ou seja, ao embate da justiça com a segurança jurídica.

 

Em relação à segurança jurídica, tradicionalmente, seu conteúdo esteve associado às idéias de ordem e certeza.  A perspectiva contemporânea, porém, agrega também a idéia de proteção à confiança, que seria a perspectiva subjetiva da segurança jurídica.

 

Discussões contemporâneas concretas, como as súmulas vinculantes, o direito alternativo e as soluções extrajudiciais de conflitos possuem a tônica da dialeticidade, dentro do confronto dos valores justiça e segurança jurídica.  

 

Dentro de uma perspectiva de raciocínio jurídico atual, tem-se que, no contexto contemporâneo, o embate entre os valores justiça e segurança jurídica podem ser resolvidos em termos de predominância e coexistência.  Assim, segurança e justiça podem e devem coexistir, apenas preponderando um ou outro, a depender do caso concreto a ser analisado, não se devendo falar numa preponderância apriorística, e muito menos em exclusão de um dos valores a partir do ponto inicial do raciocínio jurídico.

 

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[1] O ceticismo é característica basilar da sofística.  Com efeito, para os sofistas “o conhecimento reduz-se à opinião e o bem , à utilidade. Conseqüentemente, reconhece-se a relatividade da verdade e dos valores morais, que mudariam segundo o lugar e o tempo”. ( ABBAGNANO, 2000,p. 918).

[2] O “método socrático”, também conhecido como maiêutico, consiste na transmissão das idéias a partir de diálogos constituídos por uma série de questões breves e respostas precisas. Vale conferir, sobre o tema ampla descrição de (GIORDANI,1972,.p. 357).

[3] Platão pôs Sócrates como personagem central da maioria de seus diálogos, tendo sido importante para a preservação das idéias de Sócrates, já que esse último não deixou obras escritas.

[4] A obra “doutrina do direito” referenciada na bibliografia é justamente a primeira parte da Metafísica dos Costumes, publicada no Brasil de forma separada em 1993.

[5] Perelman (2000, p. 33) define justiça formal como o “princípio de ação segundo o qual os seres de uma mesma categoria essencial devem ser tratados da mesma forma”.

[6] Conforme afirma Almiro do Couto e Silva (2005, p. 4), modernamente, no Direito Comparado, a doutrina prefere admitir a existência de dois princípios distintos: o princípio da segurança jurídica e o princípio da confiança, que seria a perspectiva subjetiva da segurança jurídica.

 

[7] Miguel Reale (1978, p. 235) ressalta a possibilidade de uma variável ordenação hierárquica dos valores, destacando que várias tentativas de classificação dos valores foram feitas, algumas procurando seguir um critério formal, outras um critério de conteúdo.  Entre as classificações e ordens de hierarquia, mister ressaltar-se a construção de Max Sheler, que insere o valor justiça/injustiça entre os valores espirituais morais e o valor exato-evidente/aproximado-provável entre os espirituais intelectuais, ambos no mesmo nível, porque inseridos na mesma classificação de valores espirituais.

[8] Kelsen (1979, p. 9) foi enfático ao excluir os questionamentos sobre a justiça, afirmando que uma norma jurídica positiva não pode ser injusta, uma vez que o autor pregava a independência da validade da norma jurídica positiva em relação à norma de justiça.





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